quarta-feira, 27 de março de 2024

REFLEXÃO OPORTUNA

Reflexão oportuna

A coincidência da Páscoa com o Dia da Terra e os 60 anos do golpe financiado pelos Estados Unidos em 1964 permite uma reflexão oportuna e inadiável, sem a qual a sociedade brasileira será condenada a viver de joelhos perante os abutres do império.

Primeiramente, a celebração da Páscoa pelos Cristãos em todo o mundo é uma das festividades máximas da Cristandade, como consagração do legado de Jesus Salvador, e pela Ressurreição, como Filho de Deus para salvar a humanidade. Jesus fora condenado à pena capital pelas autoridades de Roma na Palestina ocupada pelo império romano, atendendo à denúncia de Anás e Caifás, sumos rabinos em Jerusalém, ao acusá-Lo como ‘falso Messias’, e Jesus venceu a morte e ressuscitou no terceiro dia.

Esses rabinos se recusavam a aceitar a Mensagem de Jesus ao ‘gentio’ (não judeus), quando proclamava que veio para salvar todo aquele que Nele crê e terá Vida eterna. Anás e seu genro Caifás O renegaram porque, para eles, o povo escolhido, portanto a ser salvo, era só o judeu, razão pela qual decidiram denunciá-Lo a Pilatos, governador romano da Palestina. Contudo, ressuscitou e sua Mensagem foi acolhida pela maioria da humanidade, e hoje são dois bilhões e meio de pessoas pelo mundo que professam a fé Cristã, que tem no perdão, na caridade e na esperança as suas bases. Não mais ‘olho por olho, dente por dente’, mas o infinito perdão e o amor como base de sua fé generosa e salvadora.

Nas sábias palavras do Papa Francisco em sua mensagem ‘Urbi et Orbi’ de 2023, sobre a Páscoa: “Seja ela para cada um de vós, queridos irmãos e irmãs, em particular para os doentes e os pobres, os idosos e quantos atravessam momentos de provação e dificuldade, uma passagem da tribulação à consolação. Não estamos sozinhos: Jesus, o Vivente, está conosco para sempre. Alegrem-se a Igreja e o mundo, porque hoje as nossas esperanças já não se quebram contra o muro da morte, mas o Senhor abriu-nos uma ponte para a vida. Sim, irmãos e irmãs! Na Páscoa, mudaram as sortes do mundo, e hoje (dia que coincide com a data mais provável da ressurreição de Cristo) podemos alegrar-nos de celebrar, por pura graça, o dia mais importante e belo da história.”

Segundo, o Dia da Terra, importante marco da história recente do sofrido e resiliente Povo Palestino, é celebrado para assegurar a preservação da milenar História e da Cultura Palestina, sob ameaça de extinção pelas atrocidades sionistas, de triste memória. A causa imediata para a fixação dessa data foi o massacre de Al-Jahil (um em centenas desde que a generosidade palestina permitiu acolher seus algozes por terem sido vítimas de seu similar da Alemanha nazista): 48 anos atrás, em 1976, uma greve geral contra a desapropriação de terras para assentar colonos sionistas nos territórios invadidos levou à repressão e morte de seis camponeses e à mutilação de centenas de manifestantes palestinos pelos sórdidos soldados invasores.

Como na Roma de Pilatos e na Grã-Bretanha de Balfour, os Estados Unidos e a União Europeia, fiéis herdeiros desses impérios com as mãos manchadas do sangue de inocentes de todos os tempos, vivem a lucrar das tragédias dos povos oprimidos, sobretudo do Povo Palestino, que há 76 anos, pelo menos, vem sendo vítima não só de uma insólita guerra de extermínio -- mediante a estratégia bélica de terra arrasada contra bebês, crianças, adolescentes, mulheres, jovens, idosos e adultos em plena atividade econômica, se não matando-os, mutilando-os, causando-lhes traumas permanentes e dilacerando as famílias --, mas de uma sórdida propaganda -- baseada no legado de Joseph Goebbels, o nazista da propaganda de Hitler -- em que difamam sua dignidade, sua honra e sobretudo sua humanidade.

Além das mortes físicas cometidas contra inocentes de todas as idades, há mortes anímicas que sociólogos, antropólogos, psicólogos e demais especialidades da ciência precisarão se debruçar ao longo de décadas para desvelar para a humanidade as feridas abertas na alma de seres humanos que não têm culpa alguma por terem nascido na Palestina, por cujos ancestrais viverem há milênios na Terra Santa. Aliás, senhores representantes desses impérios, qual é o crime cometido pelos milhares de meninos e meninas vil e cruelmente assassinados desde antes de 1948? Por que a insistência maledicente de criminalizá-los, invisibilizá-los e desumanizá-los sádica e sistematicamente?

‘Estamos lutando contra animais e agindo em conformidade’, disse o facínora travestido de ministro da Defesa do estado sionista. Como assim? Na maioria dos países há leis de preservação e de proteção de animais silvestres e de estimação contra todas as formas de violência, mas as convenções internacionais, humanitárias e de direitos humanos e dos animais sequer são permitidas ao Povo Palestino. Por muito menos que isso -- e merecidamente, diga-se de passagem -- inúmeros réus foram condenados a penas rigorosas em todos os países cujos governantes são coniventes com o governo sionista e os protegem como protegessem um ser inofensivo e indefeso. Mas que detém um dos mais poderosos (e corruptos) exércitos do planeta, diversos órgãos de espionagem e armas nucleares de última geração.

Os crimes cometidos pela entidade sionista são comparáveis aos cometidos pelos nazistas, gostem ou não os sionistas, seus aliados e cúmplices por ação ou omissão (porque defender criminosos de guerra é crime de cumplicidade). ‘Israel’ está manchada com o sangue de inocentes, sim, desde antes de sua criação, pela ONU, sem qualquer consulta prévia aos maiores interessados, a população palestina, de 1,3 milhão de habitantes então. Se as atrocidades cometidas ao longo destes 76 anos de Nakba (tragédia palestina) já fossem causar perplexidade e repulsa, é inimaginável a carnificina nestes cinco meses e meio de sórdida violência humana à Faixa de Gaza, onde atualmente está confinada uma população de mais de dois milhões de habitantes.

Relatos de instituições como as Nações Unidas são de pasmar: a fome catastrófica (apesar dos donativos fazerem longas filas de carretas da ONU, sionistas se entrincheiram para impedir a passagem pelas estradas permitidas), o frio intenso (a primavera começou, mas as temperaturas baixas permanecem para torturar civis de todas as idades que tiveram que ir morar em tendas de lona ou simplesmente sob os escombros à intempérie), a falta de água e de higiene (o cerco impediu o acesso aos poços artesianos e redes de água potável instalados na região e a população é castigada pela falta de água para beber, preparar alimentos e se higienizar). Aliás, o relato mais recente, da ONU Mulheres, é de que Gaza já atingiu o nível mais grave de ausência total de condições de sobrevivência humana, ao ponto de mulheres estarem dando à luz sem quaisquer condições sanitárias mínimas, o que tem causado mortes de recém-nascidos e parturientes, por contaminação.

É como esses ditos ‘religiosos’ [tementes a Deus?] tratam os descendentes dos palestinos, árabes que ao longo da história protegeram seus ancestrais judeus, perseguidos pela Inquisição e outras investidas europeias vinculadas, obviamente, ao império romano e seus diversos espólios, na Idade Média e Moderna. Onde foi perpetrado o holocausto nazista? Na Europa. Onde foram perseguidos os judeus na Inquisição? Na Europa. Quem, em diversas ocasiões protegeu os judeus, inclusive durante a perseguição nazista do século XX, acolhendo-os fraternalmente? Os palestinos, árabes que desde os remotos tempos os tratavam de ‘primos’ por conta da ascendência semita, pois os árabes também descendem de Abraão, pela linha de Ismael, filho dele com Hagar, a escrava árabe que lhe deu um filho. Ou isso foi revogado de seus livros sagrados? Da Torá? Do Talmude, repleto de códigos para que o ‘gentio’ não o compreenda?

Pois é, e o Brasil também tem seus ‘representantes’ paralelos que foram ‘pedir desculpas’ ao nazissionista Netanyahu: dois inomináveis que me recuso a nominá-los, eis que não passam de fantoches, marionetes, títeres do amarelão que, fazendo jus à sua tradição de covarde, procurou ‘refúgio’ na embaixada da Hungria no início de fevereiro. Mas o passeio vai lhes custar caro, pois um grande cidadão brasileiro que tenho a honra de conhecer [cujo nome não declino, pois não consegui falar com ele até o momento em que finalizo meu texto] entrou com ação contra esses dois usurpadores da prerrogativa do Itamaraty [Ministério das Relações Exteriores, vinculado do Governo Federal] de atuar nessa seara, e não de bajuladores de genocidas que têm seus dias contados na vida pública, devendo logo voltar para a privada, de onde jamais deveriam ter saído.

O terceiro tema, ao qual já adentramos ao fazer alusão aos órfãos e viúvos da ‘redentora’, que por 21 anos submeteu o Brasil a um atroz regime com sequelas até hoje irremovíveis, trata dos malefícios de uma aventura golpista protagonizada por pelo menos dois grandes parlamentares -- Carlos Lacerda e Magalhães Pinto --, na época governadores da Guanabara e de Minas, que, na ânsia de cessar a consolidação do getulismo ou trabalhismo como força política hegemônica, ‘venderam sua alma ao diabo’, isto é, ao governo Lyndon Johnson, dos Estados Unidos, às poderosas multinacionais (como a ITT, famosa telefônica estadunidense, que repassou muitos dólares aos golpistas) e ao empresariado ‘patriota’, ou melhor, ávido de dinheiro para se locupletar com o verde do dólar e o amarelo do ouro.

Esse filme, aliás, teve um reprise, muito mal feito, e pior, tendo um neto de um grande parlamentar [eleito em 1985 primeiro presidente civil pós-ditadura militar], Tancredo de Almeida Neves, grande brasileiro, como pivô desse arremedo de golpe e que incompetente perdeu a vez para um palerma, covarde, desqualificado e, pior de tudo, incompetente. O nome? Aéreo Never, pois nunca mais chegará nem à prefeitura de sua cidade-natal. Pobre diabo. O que faltou ao golpe de 2016 contra Dilma Rousseff foi a competência parlamentar da dupla Lacerda-Pinto, em que um mobilizava e o outro articulava. Só que estes também se deram mal, muito mal, porque outros encilharam os cavalos e deixaram os protagonistas a ver... torturas! Um deles, Lacerda, morreu em circunstâncias muito nebulosas, próprias desses pseudopatriotas, quando articulava uma frente única contra a ditadura e pretendia trazer ao seu lado ninguém menos que Juscelino Kubitscheck e João Goulart, ambos igual e coincidentemente mortos em circunstâncias misteriosas, em datas próximas, quando as ditaduras filhotas do ‘tio sam’ já tinham acertado o Plano Condor.

Decorridos sessenta anos da aventura golpista de abril de 1964, cabe à sociedade civil, e a nós, individualmente, a inadiável reflexão, mais que devida, para literalmente exorcizar os fantasmas do passado, erradicar de vez os impunes malfeitores que se protegeram nas fardas de diferentes maus soldados e, finalmente, fazermos as contas com a História, em especial com as gerações futuras, que não podem viver sob o risco iminente de uma horda de desvairados, sentindo-se Napoleão dos trópicos, venham surrupiar a soberania popular, cuja construção custou Vida, muitas Vidas de gente generosa e digna, e cuja memória não pode ser mais uma vez enxovalhada.

Golpistas têm que ser presos e condenados, conforme a legislação determina. Nada de privilégios aos que, tendo a obrigação institucional, ousaram golpear o governo federal e, por extensão, todos os três Poderes da República. A hipocrisia não tem cabida aqui: ou se é autenticamente sincero, ou que os hipócritas cantem seu feitos onde quiserem. Com o necessário debate, em condições civilizadas e mediante agenda propositiva, é hora de fazer jus ao belíssimo cenário que a Natureza nos legou e que precisamos, inclusive, cuidar com todo esmero possível.

Em síntese, o Papa Francisco alertou que Páscoa tem significado etimológico de passagem, transição. Isso faz sentido com o momento vivido pela Palestina milenar e seu resiliente povo, que não se abate ainda que sob bombas armadas com uso de armas proibidas, como o fósforo branco, nem deixa abater pela propaganda vergonhosa das potências ocidentais. E o mesmo é preciso fazer pelos sessenta anos da ‘redentora’: com coragem e bastante ética, tomemos para nós o que os jovens do passado, sem qualquer temor, fizeram por nós em sã consciência e correndo todos os riscos que correram.

Ahmad Schabib Hany

domingo, 24 de março de 2024

terça-feira, 19 de março de 2024

PUNIDOS PELA COERÊNCIA

Punidos pela coerência

Às vésperas dos 60 anos de uma mentira cinicamente gigante, a sociedade precisa fazer uma necessária autocrítica: por que pessoas competentes são punidas moral e até fisicamente e as verdadeiramente criminosas protegidas e até ‘abençoadas’?

Estamos às vésperas do transcurso dos 60 anos do golpe empresarial-militar de 1º de abril de 1964. Sim, para começo de conversa, 31 de março é a primeira das grandes farsas que compõem a mentira superlativa de uma ‘revolução’ que só aconteceu na imaginação de pessoas incoerentes, de formação inconsistente e, sobretudo, nada patriotas. Simples assim.

Caso o paciente leitor tiver alguma dúvida, hoje as hemerotecas dos jornalões têm os seus acervos totalmente digitalizados. Basta procurar o site de cada um deles e, selecionando os meses de março e abril de 1964, verá que durante todo o mês de março foram realizados eventos de entidades bizarras como a Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade, de Plínio Corrêa de Oliveira [cujo parentesco com os donos do jornalão da Alameda Barão de Limeira nunca foi negado ou confirmado por Octavio Frias de Oliveira, o ‘doutor Frias’ da camaleônica Folha de S.Paulo, que mesmo não sendo jornalista ‘de carteirinha’, tinha mais critério que os filhos que querem ou quiseram posar como tais] e diversos manifestos pagos nos principais jornais de grande circulação, além das diversas edições da ‘Marcha da Família com Deus pela Liberdade’.

Se a ‘redentora’ tivesse ocorrido em 31 de março, obviamente, em 1º de abril seu triunfo teria sido estampado nos jornalões, jornaizinhos e pasquins da época. No máximo em 2 de abril, levando em conta que os jornais, por razões de produção gráfica, precisavam ‘fechar edição’, no máximo, até às 16 horas do dia anterior. Mais ágil, a redação do hoje embolorado O Estado de S. Paulo, cujo secretário de redação era ninguém menos que o grande, célebre e genial Jornalista Claudio Abramo (mais tarde diretor de redação da Filha, ou melhor, Folha de S.Paulo), fechava edição às 20 horas, e se preparava para lançar em janeiro de 1965 o Jornal da Tarde, criado pelo igualmente grande e genial Jornalista Mino Carta, para o público mais exigente e de ideias arejadas.

Conhecer e ler sobre História não é nenhum bicho-de-sete-cabeças e muito menos chato, como tentam induzir às pessoas inocentes para serem facilmente manipuladas. Questionar é preciso, como viver e navegar, também. Quais, a propósito, foram os líderes do golpe de 1964? Carlos Lacerda e Magalhães Pinto, gostemos ou não deles, grandes parlamentares e excepcionais articuladores. Além dos empresários interessados na mudança dos gestores das obras e serviços públicos, que desde a volta de Getúlio Vargas, em 1950, a velha e avarenta oligarquia ex-cafeeira estava sem cacife para as tretas e farras com o dinheiro público desde os inomináveis tempos coloniais. Ou como é que as ‘famílias de bens’ têm o seu ‘belo’ patrimônio, senão sonegando, açambarcando e se locupletando?

Os golpes, no Brasil e em todo o mundo, foram feitos por interesses financeiros, senão não teriam sido feitos, até porque custa caro fazê-los. O de 1964, financiado desde os EUA pelo governo de Lyndon Johnson [aquele que era vice de John Fitzgerald Kennedy, assumiu com a morte de JFK e que se reelegeu em 1965, membro do Partido Democrata, ferrenho crente da Igreja Cristã Discípulos de Cristo, seguidora do Novo Testamento e, em princípio, não sionista, pelo menos até a época], mediante o braço brasileiro da telefônica ITT e coordenação do então embaixador estadunidense Lincoln Gordon e do adido militar Vernon Walters, desde o Rio de Janeiro. E, diferentemente do que depois foi dito, os Estados Unidos foram, sim, parte interessada no golpe, como corroboram fartos documentos expostos na segunda metade da década de 1970 pela Biblioteca Lyndon Johnson, com os arquivos que podiam ser tornados públicos da gestão Johnson, e que o historiador brasilianista Thomas Skidmore revelou em “Brasil, de Getúlio a Castelo”.

Há evidências da intervenção direta de funcionários da CIA, do Departamento de Estado e da Embaixada dos Estados Unidos no Rio de Janeiro, bem como da ITT e de forças militares estadunidenses que emitiram uma advertência à resistência civil e integrantes da Cadeia da Legalidade, no sul do Brasil, de que um porta-aviões ancorado em águas nacionais no Nordeste do país poderia invadir qualquer capital de estado caso a ‘revolução’ estivesse ameaçada. Vimos, anos depois, o mesmo acontecer no Chile de Salvador Allende, Bolívia de Juan José Torres, Argentina de Isabelita Perón, Peru de Velasco Alvarado e Panamá de Omar Torrijos, entre outros países latino-americanos.

Pelo que sabemos, a única ditadura a manter impunes torturadores foi a brasileira -- aliás, também x-9, sonegadores, corruptos, procrastinadores, prevaricadores, conspurcadores, genocidas, pedófilos, traidores da pátria, marginais ligados ao crime organizado, tráfico de drogas, contrabando de toda natureza etc. A Argentina, Bolívia, Uruguai e até o Chile do facínora Augusto Pinochet o fizeram, a despeito de todas as pressões e ameaças, compreensíveis até. Porque a colonização ibérica da América Latina assegurou certa impunidade e privilégios aos membros das elites -- e os militares em tempos remotos faziam parte dessas elites --, o que as Constituições atuais corrigiram. E o Brasil é exemplo disso, pois a Comissão da Verdade, no Governo da Presidenta Dilma Rousseff, chegou a ser iniciada, razão pela qual Heleno, Vilas-Boas e congêneres se somaram a Eduardo Cunha e Michel Temer para cometer o bizarro golpe que levou o Brasil 100 anos para trás.

Essa impunidade, que não só protegeu, como ‘empoderou’ gente fora da lei e totalmente destituída de valores humanos básicos, como torturadores, ‘arapongas’ ou x-9, matadores, serviçais sem quaisquer escrúpulos, alcoviteiros, transgressores, malversadores, atiradores e pistoleiros de aluguel etc, depois do caos preparado para o golpe de 2016 contra Dilma Rousseff, viraram ‘patriotas’ de meia pataca, num misto de tonton macoute e mercadores da fé (religiosos de araque), para coagir, dominar, assediar e, sobretudo, oprimir pessoas de boa-fé para induzi-las à prática de más ações, em confronto com o que pensa e compreende o mundo e a humanidade.

Esses seres desumanos, na acepção do termo, são a essência do pior que a espécie humana poderia ter produzido, e produziu, nestes milênios de existência. Quem são? Os fascistas, que ora se comportam como nazistas, franquistas, salazaristas, integralistas, sionistas, pinochetistas e banzeristas. Nada têm de humanos e muito menos de cristãos, embora façam questão de se alardear a expressão fidedigna do legado de Jesus Cristo. Mas, como muito oportuna e precisamente foi explicitado nas últimas semanas, são pseudocristãos ou neojudeus, que por causa do ‘sionismo cristão’ hoje são os maiores divulgadores de uma doutrina que não existe e nunca existiu: as seitas ligadas à ‘teologia da dominação’ não são cristãs, e, para sorte da humanidade, jamais serão: como o legado de Jesus Cristo pode se miscigenar com o de Davi, a majestade judaica anterior a Cristo, que usou sua posição de soberano para, sem dó nem piedade, levar à morte um general leal a seu reino para desposar de sua viúva só por cobiça (refiro-me ao acontecido com o general Urias, leal soldado de Davi, morto em combate, designado pelo monarca soberbo e ávido por libidinagem)?

Nestes 60 anos de mentiras espalhadas das mais cínicas maneiras, cabe à sociedade civil, mas sobretudo a cada um de nós, uma reflexão sincera e determinante: como permitir a volta covarde e criminosa de verdadeiros terroristas, criminosos sórdidos, para crivar de balas endiabradas nossa benfazeja Constituição Cidadã, da inteligência e generosidade de nossa gente a gênese, e promiscuir o porvir das futuras gerações, sem qualquer compaixão sincera, a despeito de recorrer ao uso de palavras bíblicas para cooptar séquitos fiéis.

Nossa sociedade só evoluirá mediante um sério e profundo reencontro com a verdade, que não será com farsas ou aleivosias, comuns aos que, para dominar, se valem de termos sagrados com o vil intuito de submeter o próximo ao jugo do ódio, dominação e entrega. Não nos curvemos, não nos submetamos a essa prática doentia e perniciosa. Aprendemos com a Vida e os livros herdados de nossos ancestrais que nosso compromisso é com a Vida, tão e unicamente com a Vida. Enganam-se os que querem nos impor uma farsa, crendo que somos ineptos ou iludidos. A mesma Vida que nos mostrou a História é a que rege com altivez e dignidade o devir de nossos semelhantes, dos quais não nos desligamos. Do Povo para o que é do Povo, sempre!

Ditaduras nunca mais! Fascismo jamais! Nas palavras do saudoso Doutor Ulysses Guimarães (principal artífice da Constituição Federal de 1988), “temos ódio à ditadura; ódio e nojo”:

“Traidor da Constituição é traidor da Pátria. Conhecemos o caminho maldito. Rasgar a Constituição, trancar as portas do Parlamento, garrotear a liberdade, mandar os patriotas para a cadeia, o exílio e o cemitério. / Quando após tantos anos de lutas e sacrifícios promulgamos o Estatuto do Homem, da Liberdade e da Democracia, bradamos por imposição de sua honra. / Temos ódio à ditadura. Ódio e nojo.”

Que a mensagem do Doutor Ulysses, um dos punidos por sua coerência, ecoe em nossas consciências e nos revigore. Ditadura nunca mais! Fascismo jamais!

Ahmad Schabib Hany

quarta-feira, 13 de março de 2024

AGÊNCIA MATO-GROSSENSE DE IMPRENSA, INICIATIVA PIONEIRA DO CCC

Agência Mato-grossense de Imprensa, iniciativa pioneira do CCC

Entre as diversas frentes em que o Consórcio Corumbaense de Comunicação (CCC) se envolveu, por certo a mais ousada foi a Agência Mato-grossense de Imprensa (AMI), para a qual Daniel Lopes se dedicara com especial afinco.

Juvenal Ávila de Oliveira, uma das revelações do Consórcio Corumbaense de Comunicação (CCC), foi o ‘prata da casa’ que chegou com a novidade: uma lauda com o timbre da AMI, Agência Mato-grossense de Imprensa. Mas como periodicamente Daniel de Almeida Lopes, diretor-geral do CCC, trazia novidades de ‘outro mundo’, a boa-nova passou despercebida para os radialistas e jornalistas abrigados no imponente prédio com linhas entrelaçadas de art nouveau e neoclássico em que a Rádio Difusora Mato-grossense S/A, prefixo XYA-2, 1490 KHz, e os demais meios estavam sediados, a 80 metros do Jardim Independência, no coração do Pantanal e da América do Sul.

É que o sucesso como jovem galã do rádio mato-grossense no concurso de Miss Mato Grosso em Aquidauana lhe proporcionou mais uma atividade dentro das iniciativas do CCC daquele Brasil superlativo, do ‘ame-o ou deixe-o’, do ‘ninguém segura este país’, do ‘é feito por nós’. Tudo era grande, que os anedotários logo arranjaram um causo protagonizado por uma personagem argentina numa farmácia paulistana. O balconista, todo ufanista, falando ao cliente identificado como argentino, proclama: “O Brasil tem a maior ponte do mundo [na época, a Rio-Niterói], a maior hidrelétrica do mundo [Itaipu Binacional], o maior estádio de futebol do mundo [Maracanã]...” Diante disso, o argentino assustado, anuncia ao balconista da farmácia sua desistência na compra, pois queria um supositório para seu filho, ainda bebê, com temor de ser ‘o maior supositório do mundo’.

Apadrinhado e avalizado por ninguém menos que Filinto Müller, o homem forte do regime de 1964 (presidente e líder da Arena e do governo do general Garrastazu Médici no Senado) e, mais tarde, presidente do Senado e do Congresso Nacional), até ter encontrado a morte no acidente com a aeronave da Varig nas imediações de Paris, rumo ao Aeroporto Internacional de Orly, o CCC nascera de uma ideia até bem intencionada do advogado e pecuarista José Feliciano Baptista Neto, então sócio e diretor da Folha da Tarde e da Rádio Difusora Mato-grossense, ao lado do médico e professor Salomão Baruki, ex-vereador do PSD, partido de Juscelino Kubitscheck de Oliveira e Tancredo Neves (e em Mato Grosso, de Filinto Müller, até então aliado incondicional de Getúlio Vargas e do PTB).

A megalomania com que o CCC acabou hipertrofiado foi fruto da obsessão de Müller por demonstrar prestígio e poder junto aos seus correligionários logo no estado natal, onde não conseguira por duas vezes se eleger governador, a despeito de todo o prestígio junto ao Palácio do Catete, sede do governo federal até a inauguração de Brasília por Juscelino Kubitscheck de Oliveira, alvo do golpismo doentio da caserna fascista desde os tempos do Brasil Império. O que permitiu a Daniel Lopes empreender por todas as frentes em seu projeto político-midiático nos anos de chumbo.

Leal colega e amigo, o Jornalista Luiz Gonzaga Bezerra, ex-repórter especial do Jornal do Brasil, era a referência jornalística para o ex-correspondente de O Globo, então medíocre vespertino que não se constrangera ser reles porta-voz oficioso do regime de 1964, razão pela qual virou esse grande grupo de comunicação que acabou por desbancar a Rede Tupi de Rádio e Televisão (de Assis Chateaubriant, o emblemático Chatô), os Diários e Emissoras Associados espalhados pelo Brasil (inclusive a pioneira Agência Nacional dos Diários Associados, ANDA), a O Cruzeiro (por mais de 50 anos a maior revista semanal ilustrada), e décadas depois a Rede Manchete (de Adolfo Bloch, imigrante judeu russo que implantou a indústria de tintas gráficas no país e depois ousou competir com Roberto Marinho na televisão), a Bloch Editores e a Manchete (por décadas a segunda maior revista semanal ilustrada), a Editora Abril (de Victor Civita, o maior editor de revistas, fascículos e livros da América Latina, que um dia pretendeu possuir a sua sonhada TV Abril, mas foi sabotado pelo regime de 1964 e depois pelos seus ex-apoiadores, ligados aos Marinho).

Gonzaga, repórter ético e de grande humildade e talento, não se entusiasmara com a ideia da Agência Mato-grossense de Notícias (AMI), pois via a superexploração de seus colegas de trabalho na ânsia de conseguirem ver suas matérias em outras localidades, em especial emissoras de rádio de todo o estado de Mato Grosso, eis que eram poucas as que dispunham de jornal impresso, sequer semanários. Até porque o número de analfabetos no Brasil era também superlativo, apesar da propaganda do Mobral nos anos de chumbo. Mesmo assim, acabou fazendo mais essa concessão ao parceiro de aventura: depois do diretor-geral do CCC, era ele, como redator-chefe do consórcio, que acabava por dirigir a AMI, para ele um investimento perigoso, pois todo ele era financiado por Müller.

Filinto Müller era declaradamente contrário ao movimento divisionista comandado pelos arenistas do sul de Mato Grosso, mas, hábil político, fingia não se incomodar, até para auferir dividendos políticos em seu estado natal. Não por acaso, designou seu sobrinho Gastão Müller para cacique político de Três Lagoas e o aparelhou para se projetar igual a ele, tanto que conseguiu se eleger senador por Mato Grosso com base eleitoral em Três Lagoas, onde dispunha de um veículo, o Jornal do Povo, porta-voz das ideias direitistas da família Müller em pleno regime de exceção.

Enquanto para Daniel Lopes se tratava de mais um produto do pretensioso CCC, para Müller era a rede de controle político com que mantinha sob seus olhares de lince as articulações dos correligionários, ‘pero no mucho’, que por trás faziam seus conchavos para conseguir de qualquer maneira a divisão do velho Mato Grosso uno, muito caro para o veterano senador e seus projetos políticos pessoais. Bastou perder a vida em Orly em julho de 1973 para que seus ‘consternados’ correligionários corressem até Brasília para desengavetar o projeto de criação do estado rebelde do sul dos anos 1930, chamado de Território de Ponta Porã, e em menos de cinco anos, já sob a gestão dos generais Ernesto Geisel e Golbery do Couto e Silva, se tornasse realidade.

A AMI foi concebida como uma empresa de distribuição de notícias jornalísticas de caráter privado, mas com largo financiamento público, como tudo que soía funcionar durante os anos de chumbo: “aos amigos tudo, aos inimigos a lei.” A equipe original foi a do CCC, em Corumbá, e depois foi ganhando capilaridade, como uma rede de colaboradores, em todo o sul de Mato Grosso. Como o predomínio, então, era de rádios AM, muitas notícias eram gravadas pelos locutores das emissoras afiliadas à AMI e enviadas às destinatárias por meio da ferrovia que atravessava o estado, de oeste a leste e, pelo ramal de Ponta Porã, ao sul extremo, fronteira com o Paraguai, por malotes devidamente identificados. Na época o uso de telex, teletipo e belinógrafo (como da Agence France Presse, AFP) era exclusivo da central, localizada no mesmo prédio do CCC, em Corumbá.

A produção de texto era basicamente feita em Corumbá pelo pessoal da redação da Folha da Tarde, com destaque ao talentoso e incansável Jornalista-revelação Edson Moraes, que chegara a viajar a Campo Grande como enviado especial para cobrir a elucidação do caso do sequestro de Ludinho, filho adotivo da proeminência arenista Lúdio Coelho por pessoas próximas à sua família, um dos episódios jornalísticos de maior repercussão, ao lado do assassinato de Levi Campanhã, em que assessores do Chefe da Casa Civil do governador Garcia Neto estavam sendo investigados. De fato, a AMI acabou funcionando como vitrine para os talentosos Jornalistas formados por Gonzaga Bezerra no CCC.

Juvenal Ávila, o primeiro correspondente da AMI para uma rádio aquidauanense, conta que ainda era muito usado o sistema de captação de notícias pelo rádio. A própria Rádio Difusora Mato-grossense, sede do CCC, antes da constituição plena do projeto apadrinhado por Müller, tinha o emblemático e insubstituível Pedro ‘Papito’ Gonçalves de Queiroz que fazia a ‘escutapress’, isto é, gravava as notícias internacionais, nacionais, regionais e locais em gravador de fita-cassete para depois redigi-las ao seu estilo para a produção dos noticiários da emissora. E em tempos pretéritos, a velha e conhecida ‘tesourapress’, até pouco tempo usada em larga escala nos velhos jornalões da capital, que até hoje não perderam o ranço de que a ‘melhor agência de notícias é o copia-cola’, e que se danem os direitos autorais e o trabalho dos Jornalistas profissionais.

Com o leilão do prédio e da concessão da Pioneira Rádio Difusora Mato-grossense S/A e do título da Folha da Tarde (este adquirido pela Empresa Folha da Manhã S/A, carro-chefe do Grupo Folha, da Alameda Barão de Limeira, 25, Campos Elísios, São Paulo), muitos documentos foram extraviados, para prejuízo da memória coletiva corumbaense. Antes da demolição do imponente prédio da emissora, grande quantidade de discos, documentos e jornais e revistas em português e espanhol foi descartada na calçada. Alguns aficionados da cultura e da memória ‘garimparam’ verdadeiras relíquias, mas a maioria do acervo de décadas foi literalmente jogado no lixo.

Além do pioneirismo, a AMI se constituiu em verdadeiro aríete das demandas represadas das populações localizadas no sul de Mato Grosso quando o poderoso senador Filinto Müller sai do cenário político e no vácuo novas lideranças arenistas granjeiam apoio para seus respectivos projetos pessoais, sob pretexto de apoiar um regime caquético, e receber as benesses do poder em troca de três senadores pró-regime de 1964 e quatro deputados federais apoiadores do Planalto (na verdade, cinco deputados federais, pois havia o médico adesista Walter de Castro que desavergonhadamente votava com a Arena, a despeito da pressão exercida pela direção regional do MDB sul-mato-grossense).

Herança da ditadura, Mato Grosso do Sul -- que se resume a Campo Grande, a praticar a mesma conduta excludente que acusava a Cuiabá --, tem sido verdadeira mordaça para a afirmação do protagonismo cidadão em todo o território do estado nascido para ser modelo, e o sufocamento das atividades jornalísticas propriamente ditas é um processo crescente e irreversível. Todo governante tende a repetir os cacoetes do Faraó de Miranda (Pedro Pedrossian) e sua Secom de triste memória, em prejuízo do Jornalismo profissional. A falência da AMI não decorreu do estrangulamento de um projeto fadado ao fracasso, por ser um projeto de poder arbitrário, mas pelos acertos involuntariamente realizados pelos talentosos profissionais, o que não interessa ao establishment, seja em tempos de arbítrio ou de Estado Democrático de Direito.

Ahmad Schabib Hany

sexta-feira, 8 de março de 2024

As origens comunistas do 8 de março // Maria Lygia Quartim de Moraes


7 de mar. de 2017 #8m #feminismo #diadamulher

A socióloga Maria Lygia Quartim de Moraes apresenta as origens comunistas e socialistas do Dia Internacional da Mulher. Recuperando as condições históricas, políticas e econômicas do surgimento do movimento de massas das mulheres, ela comenta a importância de figuras como Clara Zetkin e Aleksandra Kollontai na criação do Dia Internacional da Mulher, e como ele serviu de estopim para desencadear a Revolução Russa. Refletindo sobre como a historiografia hegemônica buscou apagar e falsear o elo entre o feminismo e o socialismo nas origens do 8 de março, para produzir uma celebração mais domesticada e até comercializável do Dia Da Mulher, ela defende uma retomada radicalidade da data como um dia da luta.

🔥Por um feminismo anticapitalista, antirracista e antiLGBTQfóbico!

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Este vídeo é o segundo de uma série sobre feminismo e marxismo com Maria Lygia Quartim de Moraes na TV Boitempo.

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segunda-feira, 4 de março de 2024

A ARTE NA EXCELÊNCIA: JACKSON ARRUDA (IN MEMORIAM)

A arte na excelência

Violonista alado, Jackson Alberto Alves de Arruda, em crônica do poeta e Jornalista Edson Moraes. Homenagem póstuma publicada no Correio de Corumbá em 3 de março de 2024.

Laurinho Balejo, o filho, canta. E Jackson Alberto Alves de Arruda, o pai, encanta.

Hábito de encantar. De arrebatar quem quer que seja deste mundo e quiçá de outros além de nossos limitados ouvidos. Diziam minha mãe e meu pai que as paredes ouvem e guardam os segredos - mas os astros os ouvem para cantá-los em notas que só existem nas partituras das lógicas celestiais.

Não tive ainda a oportunidade e o prazer de conhecer pessoalmente Laurinho Balejo. Fui e sou amigo de diversos membros desta querida família corumbaense. Porém o Jackson, irmão do Xingo, é da casa da nossa família em Corumbá. Éramos vizinhos. Morávamos na Rua Oriental, hoje a Geraldino Martins de Barros, e a Família Arruda a poucos metros.

Nas constantes e inevitáveis sessões de poesia e seresta que clareavam as noites da nossa casa, eu, meus irmãos e minha mãe, Íris, ficávamos embevecidos diante dos concertos de voz e instrumento protagonizados pelo meu pai, Carlos de Moraes, e o violonista Jackson. Eles formavam uma dupla daquelas que o céu se aquieta para ouvir e depois faz gritaria para pedir bis. 

Hoje, enquanto meu pai canta no céu, aqui na terra, na mesma Corumbá de antigamente, o Jackson faz com que seus dedos deslizem, abracem, apalpem, toquem com singeleza as cordas do violão, como se estivesse acompanhando o seu querido amigo de sempre. Toda homenagem que ainda não foi feita à altura do Jackson será inútil, porque inexiste melhor galardão ao artista deste nível que o reconhecimento de nossos corações, da nossa alma, dos nossos desejos, dos nossos sonhos.

Gostaria que o Jackson me perdoasse pelo atrevimento de chamar de homenagem este tão modesto texto. Porque ele nunca quis o egocentrismo dos altares do pódium, nem o alto do trono, mesmo sabendo ser majestade. A glória dos grandes e dos bons é ser a excelência na planície, no ombro a ombro com o povo, nas mãos dadas com a poesia, no olho a olho com as cifras que caem como gotas vindas em águas do céu.

Jackson, excelência! (Escrito e publicado em 26.06.2023)

SOBRE HARMONIAS QUE PERTENCEM AOS CÉUS

Fiz este modesto rabisco para felicitar os astros celestes, agora honrados com a chegada do ilustre inquilino. 

Na noite de sábado, 02.03.2024, em Cuiabá, ao sair de uma igreja, Jackson Alberto Alves de Arruda teve um mal súbito e foi a óbito. Tinha 79 anos e muitos planos - o foco, evidentemente, naquilo que mais amava: a música.

Virtuoso violonista, autodidata, ser humano dos mais simples, verdadeiro, um construtor de convivências, destacou-se na paisagem artística e cultural de Corumbá e Ladário, cirandeou por Mato Grosso, percorreu chão boliviano e nunca desgrudou-se em definitivo da sua amada Cidade Branca. 

Não gostava de ser considerado o que foi em vida diante dos donos dos panteons, um injustiçado. Não que almejasse a glória, os louros e as reverências majestáticas. Preenchia-se, solene, com os abraços, as palmas e o carinho dos simples e despojados que o ouviam, porque era assim que via seus arredores humanos: todos iguais. 

Jackson era músico do povo. Pertencimento absoluto. Parafraseava acordes de Vilallobos, Patápio, Dilermando, João Pernambuco... e dava o confortável alicerce harmônico para os diversos intérpretes que acompanhava, entre os quais Carlos de Moraes, Lincoln Gomes, Élcio Freitas. 

Jackson sabia de Gounod, de Gonzaga, de Jobim, de Cavaquinho, de Pequenino, de Agapito, de Pelego, de Melquíades, de sargento Vaz, de Barrafunda, de Maria Christovam, de Toddy & Tim, de Favito, de Waldno, de Fala Baixo, do mano Xingo - Jackson sabia até dos pardais e rolinhas que infestavam nossos quintais na alegre e boêmia periferia dos beira-morros corumbaenses. 

Não importa mais se tenha sido olvidado pelo Festival Águas do Pantanal, pelo Festival de Bonito, pelo Globo de Ouro, pelo Grammy. 

O que importa é o galardão do amor que ecoa nas palmas vibrantes dos corações simples que o celebram. Não como um rei, mas como um servidor que se fazia feliz distribuindo músico para fazer a felicidade ao seu redor.

Jackson, que sejam dos anjos aquilo que sempre pertenceu aos céus: as notas do seu violão.

(Edson Moraes - Em 03/03/2024)

IRRITAÇÃO POR QUÊ?

O Estado de S. Paulo (4 mar. 24): reportagem denuncia liberação, pelo exército, de armas de grosso calibre a criminosos durante governo passado.

 

Irritação por quê?

Há quem diga que haja muita gente de alta patente ‘irritada’ com as sucessivas revelações de altos oficiais do exército envolvidos na tentativa golpista de 8 de janeiro. Por quê? O desgaste ocorreu quando os oficiais fora da lei decidiram enveredar em uma aventura, e ponto. Uma simples questão de causa e efeito.

Uma colunista, bem intencionada até, de O Globo, um dos jornais que se prestaram ao vil papel de porta-voz oficioso do regime de 1964, revelou que militares de alta patente estão ‘irritados’ por causa da investigação feita pela Polícia Federal sobre o envolvimento de altos oficiais das forças armadas na intentona de 8 de janeiro de 2023. Segundo o jornal, a irritação decorre da maneira como a chefia da PF tem divulgado os nomes, aos poucos, em vez de fazê-lo de uma só vez.

De acordo com jornalistas que cobrem operações policiais, sobretudo da Polícia Federal, não há como esperar para reunir todos os investigados e de uma só vez fazer a divulgação. O procedimento é padrão por conta do caráter da investigação, havendo um protocolo a ser seguido, até para não melindrar ainda mais os setores de defesa do país, acostumados a um tratamento fora do padrão durante décadas, em especial durante todo o período do regime de 1964.

Ora, a lei foi feita para todos, indistintamente de ofício, profissão, cargo, setor, religião ou condição social. Neste caso, delicado e até inusitado, é o envolvimento de militares da ativa de alta patente, que oportuno teria sido ‘abortá-lo’ durante a preparação, não após sua bizarra e indignante ocorrência. A gravidade não está na investigação, mas na abjeta participação de servidores públicos de carreira cuja missão institucional é a defesa da pátria ante inimigos externos, como bem preconiza a Carta Constitucional de 1988. Ocorre que a caserna acabou contaminada com a ‘patriotaria’ masturbada pela turba do ‘Vem pra rua’, ‘Movimento Brasil Livre’, ‘Cançei’ (com ‘c’ cedilhado, como grafavam as damas de Copacabana e adjacências, numa demonstração do amor superlativo pela pátria e pelo vernáculo) e libidinosamente excitada pelas operações pirotécnicas da ‘Leva Jeito’ com o apoio da Lobo, Abriu, Falha e Estradão, e que queriam ‘Lula vivo ou morto’.

Por outro lado, na edição de 4 de março de 2024, o carrancudo O Estado de S. Paulo deu a conhecer um fato de assustar os mais céticos leitores do país: no período governamental passado, o exército teria liberado armas de grosso calibre a mais de cinco mil CACs (caçadores, atiradores e colecionadores) que se encontravam em situação de flagrante irregularidade. Talvez a grande maioria dos nascidos depois de 1980 não saiba, mas esse capitão da reserva só não foi expulso pela generosidade do então ministro do Exército Leônidas Pires Gonçalves, que, em vez de bani-lo por insubordinação ‘y otras cositas más’, resolveu mandá-lo para a reserva.

É bem verdade que esses senhores não são maioria nas forças armadas e que, entre 1978 e 1988, acreditaram que, a exemplo da impunidade dos terroristas fardados no acidente de trabalho do Riocentro em 1980, fossem protegidos pela impunidade de forma acintosa e aviltante: “Aos amigos, tudo; aos inimigos, os rigores da lei.” Mas é bom lembrar o papel digno de militares institucionalistas ao longo da história pátria, a começar pelo Marechal (maiúscula, por favor!) Henrique Teixeira Lott, que por sua integridade e coerência militar impediu que Juscelino Kubitschek de Oliveira fosse golpeado antes de assumir.

O Marechal Lott é responsável pela posse de JK na Presidência, e, em consequência disso, da construção de Brasília, instalação do parque industrial automobilístico e, sobretudo, da implementação dos Planos Quinquenais de Desenvolvimento Nacional, sob a condução do saudoso e grande brasileiro Celso Furtado, ministro do Planejamento de JK e grande estrategista na redução das desigualdades regionais e criação de órgãos como Sudene. E, por seu turno, os generais Dilermando Gomes Monteiro, Euler Bentes Monteiro e o próprio Golbery do Couto e Silva também são dignos de menção por sua postura institucionalista, durante o governo do general Ernesto Geisel, que os levou a enfrentar colegas do alto comando, como Sylvio Frota, Hugo Abreu, João Paulo Burnier, Adyr Fiúza, Jayme Portella e Enio Pinheiro.

Não podemos esquecer do general Leônidas Pires Gonçalves, um general institucionalista sabiamente indicado por Tancredo Neves ao derrotar malufistas e demais remanescentes do regime de 1964. Graças à firmeza e lealdade à transição democrática, Leônidas foi, ao lado do saudoso Doutor Ulysses Guimarães, o responsável pelo pulso firme que assegurou a posse de José Sarney como vice-presidente eleito quando Tancredo Neves fora internado às pressas para ser submetido à série de cirurgias para curar a diverticulite que acabou por levá-lo à morte. Não passou despercebida a intenção dos partidários de Paulo Maluf de criar um tumulto e fraturar a Aliança Democrática ao insistir que quem deveria assumir interinamente seria o Presidente do Congresso Nacional, armadilha declinada por Ulysses e referendada por Leônidas, cuja liderança na área militar era respeitada.

Insisto, há uma imensa maioria de militares de diferentes patentes e armas que honram a farda e o juramento feito, nunca tendo se envolvido em golpes. Tanto é verdade, que a aventura golpista de 8 de janeiro de 2023 não vingou, a despeito da torpe insistência dos áulicos do inominalismo, de triste memória. Puro oportunismo: tentaram transformar em ‘estadista’ um pateta totalmente despreparado e desequilibrado, sem qualquer mérito (militar ou político) e, pior, um obscuro parlamentar do chamado ‘baixo clero’ que por décadas a fio se comportou de maneira questionável. Ele pode ser modelo para maus políticos, carreiristas e de mau comportamento -- mas dizer que, independentemente de suas posições políticas, se trate de liderança de proa é fazer piada de mau gosto.

Sem dúvida, desde a eternização de Carlos Lacerda e Magalhães Pinto a direita lúcida e erudita está acéfala. O binômio Carlos Lacerda -- Magalhães Pinto era, de longe, um afiado aríete que abalava as mais sólidas estruturas institucionais brasileiras. No entanto, os dois, civis e de convicções liberais ortodoxas, não aceitaram a fascistização do regime que ajudaram a instalar com o golpe de abril de 1964. Embora o mineiro tivesse traquejo fora da média, não inspirava confiança dos dirigentes da linha-dura, pois Pedro Aleixo, vice de Costa e Silva, fora passado para trás simplesmente por não usar farda.

Por que gente com o perfil de Urinol e sequazes da republiqueta de ‘cornitiba’ se prestam recorrentemente a endeusar o inominável e fazer apologia ao fascismo travestido de neopentecostalismo? Seu comportamento à frente da ‘Leva Jeito’ o explica: em vez de aplicar a lei, ele e seus cúmplices se dedicaram à prática da ilicitude, e para isso se valeram do cargo fruto das conquistas da Constituição de 1988. Não nos esqueçamos de que foi a Constituinte, com muito esforço, tendo à frente ninguém menos que o Ministro Sepúlveda Pertence a embasar como constitucionalista a autonomia do Ministério Público como fiscal da lei. Mas os fascistoides da republiqueta de ‘cornitiba’, entre uma ‘festa da cueca’ aqui e outro festival de orgias acolá, prevaricaram, conspurcaram, procrastinara e, sobretudo, destruíram as instituições em desserviço dos interesses maiores da República e do Estado Democrático de Direito. Mas eles ainda vão pagar, e caro, por tudo o que fizeram -- diferentemente deles, à luz da lei e da Constituição. Não perdem por esperar.

Portanto, não cabe ‘irritação’ dos que têm como obrigação tão-somente cumprir a lei. Há por certo para toda a cidadania, independentemente de ofício, profissão, cargo, setor, religião ou condição social, o direito inalienável de indignação por desmandos deliberados reiteradamente no desgoverno passado, cujo titular não teve a hombridade de assumir, sim, seus erros: liberação de mais de cinco mil CACs a criminosos e a invasão depredadora aos Três Poderes. Até hoje vive a mentir, mentir, mentir, como um verdadeiro mau-caráter de envergonhar toda a nação. Basta já de tanta cara-de-pau: fora da lei tem que ir pro xadrez e não ficar fornicando, promiscuindo, masturbando, atiçando, conspurcando e ameaçando os Poderes da República. Lugar de terrorista, enfim, é na cadeia.

Ahmad Schabib Hany